Centro de Estudos Neo-Reichiano



Corpo e Poesia
Por Jean Marc Guilherme
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Palestra apresentada no Congresso Internacional de Análise Bioenergética em Búzios. Brasil. 2009
 

Liane Zink me convidou a falar sobre Corpo e Poesia. Todo um programa!: todo um problema! De fato, quanto mais trabalho com o corpo mais o corpo me parece complexo, misterioso e menos sei. E também não sou um poeta! Então me sinto aqui como um impostor! Eu preferiria estar entre vocês na platéia para escutar os sábios, os poetas…
Paradoxalmente vibro com a beleza e com a feiúra do mundo e uma pequena coisa me transporta e me faz sonhar: a brisa, as árvores, a caipirinha, os olhos, o canto dos passarinhos, o corpo da mulher, a beleza do Golfo onde moro.
Paradoxalmente também não sei coisas do corpo… Estou buscando com curiosidade e ardor. Lowen me marcou com seu olhar agudo, seus braços firmes, sua palavra livre… Solitários e solidários somos… pela vida e pela morte. Jacqueline também, uma colega psicanalista e amiga de Montreal me ajudou a nomear o que vejo, sinto, entendo. Estes dois seres queridos me construíram, me sustentaram, me elaboraram para ser agora sensível à beleza e poesia do corpo vivo.
Eu apresento a vocês agora, Fátima, que vai me acompanhar lendo os textos poéticos que eu pesquei aqui e lá, para ilustrar meu propósito. Voz de mulher, voz de Bahia, pulsação do Brasil.

O que é a poesia?
Escutem Lorca! (Espanha) “mas o que vou dizer a você? Eu da poesia? Que vou dizer destas nuvens, deste céu? Olhar, olhar, olhar para ele. É tudo!
Você entenderá que um poeta não pode dizer nada da poesia. Deixe isso para críticos e para os professores. Porque nem você, nem eu, sabemos o que é Poesia”.
Escutem Fernando Pessoa (Portugal)
“o essencial é bem ver. Saber bem ver sem se por a pensar”
Lorca e Pessoa nos convidam a olhar ainda e ainda para “entrar na poesia” (como se entra na religião?) Ora! A Análise Bioenergética é baseada sobre o olhar.
“A poesia – diz outro poeta (Yves declaire), (França) – é resgatar um idioma estrangeiro que se ouve no fundo de si mesmo”.
Então traduzir com palavras justas a ressonância que o cliente desperta em mim, isso é tudo um poema!
Guillevic, um poeta da Bretanha escreve: “as núpcias entre a palavra e o silêncio… são a poesia é a escultura do silêncio… a poesia é outra coisa”.
Ele fala da poesia como uma corrente vital que atua como um sétimo sentido e põe em comunicação com coisas tangíveis e não tangíveis desse mundo, como uma necessidade de fazer nascer e recolher esta corrente. Ele escreve:
“a poesia é a busca apaixonada e preenchida de algo que nunca será alcançado”.
É como dizer que essa corrente, essa energia, para circular entre cliente e terapeuta deve, primeiramente, circular dentro de si mesmo. E ainda, é preciso ter tempo, tomar o tempo de sentir…
“para ser poeta é preciso ter tempo, horas de solidão, para que alguma coisa se faça vida, liberdade, para dar estilo ao caos” (Píer Pasolini, Itália)
O que é corpo?
Isso também é difícil de definir, tanto quanto a poesia. Pertinente é a pergunta de Angela Klopstech: “O que é esse corpo com o qual nós devemos compor?” (Análise Bioenergética 2009). “Você é seu corpo”, dizia Lowen, que representava o corpo com um triangulo: na base, os processos físicos, depois as emoções, depois os pensamentos, depois o ego. Eu definiria o corpo, na linha de Lowen, como “um organismo vivo, energético, constituído de vibrações, de sensações, emoções, pensamentos e sonhos”. Quanto mais esses elementos se comunicam entre eles, mais a pessoa está saudável. Quanto mais existirem bloqueios entre essas camadas ou, quanto mais um elemento está hiper ou hipatrofiado, mais a pessoa está doente.
Mas o corpo pode ser também uma casa bem ou mal plantada, num tal ambiente, com a modernidade ou antiguidade, aberturas desse ou daquele tipo.
O corpo pode ser também um veículo de dimensão, solidez e rapidez variáveis.
O corpo pode ser também representado por um animal terrestre, aéreo, marinho.
O corpo pode ser um agenciamento dos quatro elementos (água, terra, fogo e ar), na base de toda criação poética, segundo Bachelard.
Isso se encontra frequentemente nos sonhos e nas metáforas para se descrever no seu “ser no mundo”
É esse conjunto que constitui nosso material de trabalho e quem sabe? De Poesia.
Um conto clínico
É uma história insólita. Algumas vezes o insólito abre a poesia.
Terapeuta ainda jovem, eu participei do primeiro grupo de pós formação com uma dezena de europeus em Brighton na Inglaterra. Isso foi dentro de um convento de freiras anglicanas. Um dia, David Campbell que também participava do grupo me pediu para receber em entrevista uma freira do convento. Entre os participantes e os dois mestres americanos Myron Koltuv e Ed Svasta, ela me elegeu. Curioso, não? Eu aceitei intimidado por causa da minha falta de experiência e de meu inglês bem pobre.
Diretamente ela me fala de sue problema existencial. Religiosa anglicana, psicóloga, inglesa, ela é fortemente atraída pelas chamas do amor com um padre católico, irlandês. Resumo: a castidade ou o amor? Que dilema!
O que dizer? O que fazer? Não sei. Então pergunto o que ela está sonhando. Ela me conta seu sonho recente: ela trabalhava num circo, trapezista suspensa e voante no ar com pavor de despencar e fracassar. Eu peço a ela, então, para tirar a roupa. Seu corpo é harmonioso, do tipo rígido, com olhos brilhantes, bom tônus de pele e tensões lombares: de fato, um lindo corpo de mulher de trinta.
Proponho então o movimento de queda, em equilíbrio sobre um pé, como um trapezista ou um anjo viando em cima do colchão e se deixando imaginar o que ou quem o colchão representa. Por duas vezes ela cai e depois todo o seu corpo vibra de maneira impressionante. Relaxada, feliz, quase jubilante.
Essa foi a única entrevista.
Alguns meses depois, recebi uma carta me anunciando sua saída do convento e um casamento próximo com seu amor que nesse meio tempo largou a Igreja.

Por que essa história?
Porque esse momento terapêutico se impôs a mim, quando Liane Zink me propôs falar de Corpo em Poesia?
Por que esta entrevista foi para mim “fundamental” e me deu definitivamente confiança nas mudanças possíveis do corpo graças à Análise Bioenergética?
Porque essa história me fez sonhar, sonhar com o amor. Porque esse encontro insólito me abriu à poesia do corpo e do sonho. Porque esta experiência é um hino ao corpo e à beleza vibrante.
Enfim e sobretudo, porque isso é uma homenagem a Lowen, com quem aprendi muito, tanto na observação de seu trabalho quanto nos momentos de intimidade que compartilhemos. A primeira vez que encontrei Lowen em 75 eu pedi a ele ingenuamente como fazer para parar de chorar? Ele me respondeu: “Infeliz o terapeuta que não chora”. Ela resposta “evangélica” abre o campo poético, o espaço interior, para ser disponível aos fluidos e correntes da emoção, da sensação, do gozo e do sonho. A última vez que encontrei Lowen, ele me disse, no fina do almoço: “sabe, Jean Marc, finalmente faço a mesma coisa que Reich, ajudo meu cliente a respirar, vibrar, firmar-se nas pernas”.
Como um convite a voltar à essência da Bioenergética , à essência da Natureza e da Poesia: respirar, vibrar, ser enraizado. No eco com os outros seres viventes.

Voltamos a esta entrevista e nos deixemos navegar como um barco à deriva.
Quando perguntei a esta mulher porque ela preferiu a mim do que a uma pessoa que falasse bem o inglês ou um dos mestres americanos. Ela me respondeu algo como: “Porque é você e porque sou eu”!
Assim falava Montaigne de sua relação com seu amigo da Boëtie.
Por que estou aqui na frente de vocês? Porque são vocês e porque sou eu, porque compartilhamos a paixão do corpo vivo, a paixão do respeito e da justiça, o amor ao Brasil.
Como chamar isso de outra maneira: A transferência e no eco, a contratransferência!
Transferir significa passar de um lugar a outro.
Somos passadores.
Esta mulher passa da retenção, até mesmo da repressão para a expressão da sua sexualidade, do firmamento das idéias ao colchão do corpo. Dentro de um suave transporte.
Eu a quero à minha maneira, respeito seu estado religioso, admiro seu corpo e isso permite a ela de saltar.
Transferência e contratransferência necessitam de se acoplar para criar um estado novo, um estado de graça?
“Eu vou para o teu corpo como para o mundo” (Otávio Paz – México).
Estou ouvindo os amantes se dizerem: “Eu te quero e em breve morrerei. Eu cumpri a viagem para te ver, simplesmente te tocar. Quando eu tinha medo de morrer sem te conhecer tanto, eu tinha medo de te perder no além.” (Walt Whitman – EUA).

Um outro aspecto interessante aqui é o movimento.
Ela sai da comunidade religiosa para encontrar um estrangeiro estranho. Ela se aventura. Ela ousa, ela se move.
Eu vou até ela, curioso, inseguro, intimidado, perturbado no movimento interior, na emoção.
A Análise Bioenergética é um estado de movimento (oxymore), como um estado de alerta para captar e por atuar os movimentos interiores, dar a eles forma e amplitude. Aqui o movimento de queda repetido dá sentido à vida e à vitalidade do corpo.

“Caia na infância!
Caia na velhice!
Caia no choro!
Caia no riso!
Caia em músicas sobre o universo!
Caia da cabeça aos pés!
Caia da cabeça à fonte!
Caia no último abismo do silêncio!
Como um barco que afunda apagando suas luzes”.
(Vicente Hidobro – Chile)
Se o cliente e o terapeuta são imobilizados, não tem mais Análise Bioenergética. Ao contrário, no movimento, na respiração, na vibração, se aproxima da beleza.

Aqui a porta do sonho se abre sobre as profundezas do ser. Poderia se dizer que essa mulher vivia no firmamento dos ideais: Deus, o homem, Deus feito homem, a virgem, o homem sagrado.
O trabalho do sonho contribui para fazê-la cair na realidade de um amor humano, verdadeiro, palpável, carnal, vibrante!
O sonho algumas vezes tem essa qualidade de sintetizar uma problemática existencial em uma história breve, em uma postura, em um movimento possível. Isto é uma maneira que o corpo encontra para respirar, chegar ao sublime, ao dramático, ao poético.
O sonho é um poema de amor muitas vezes, de ódio algumas vezes, de medo sempre.

Por uma poética do corpo:
1- Por uma leitura fenomenológica e poética do corpo:
A leitura do corpo é a base dos dados que permitem um diagnóstico. Aprender a localizar as tensões, os bloqueios, as partes sobrecarregadas ou sem carga, os cortes, tudo isso constitui nosso “vademecum” cotidiano.
Isso não é suficiente: “Nós temos que ver a expressão emocional, sua qualidade de ser” (Lowen B.A Winter 88/89).
Jovem, aprendi com Denis Royer, como ler um corpo tim-tim por tim-tim e formular uma percepção da totalidade do corpo.
Num primeiro momento, convém contemplar esse corpo na sua tragédia e na sua beleza. Deixar-se tomar por seu mistério. Em silêncio. Em eco.
“A poesia é a escultura do silêncio
A poesia é a busca passional e plena de alguma coisa que a gente sabe que nunca vai alcançar”.
(Guillevic – Bretanha)
“O essencial é de saber ver.
Saber bem ver, sem por-se a pensar”.
(Fernando Pessoa – Portugal).
“os poetas são os mestres verdadeiros do filósofo (do terapeuta, eu juntaria). Através de suas descobertas, pode-se construir conceitos, sistemas, mas são eles que têm a luz”.
(g. Bachelard – França).
Depois da contemplação do corpo, o terapeuta vai buscar palavras com receio e tremor para dar conta da forma mais justa e humilde do que ele vê e talvez além.
Exemplos:
“você parece bem plantado sobre uma perna e na outra você vai escapar”
“seu corpo me faz lembrar uma ânfora cujos braços foram quebrados”.
“seu olhar parece falar com um lado:
“você não vai me pegar, e do outro lado tenho medo”.
“você tem tudo o que é necessário, mas você não sabe o que fazer”.
“suas pernas são fortes e grande tensão nos joelhos, como se quando criança você tinha que aguentar coisas insuportáveis”.
Esta maneira de falar, introduz uma dinâmica (o cliente podendo contestar ou confirmar suas afirmações) e criar uma espaço para pensar e sentir através da história do corpo. A poesia é uma coisa leve, dizia Platão. Encontrar palavras que voam e ajudam a se liberar do peso. Ainda uma poética do corpo é um caminho.

2 – Por um corpo – acordo
Transferência e contratransferência são conceitos centrais da psicanálise, mas são parados no concreto da história.
Cliente e terapeuta buscam encontrar um acordo recíproco, uma forma de entendimento com palavras, naturalmente, mas também com boa distância dos corpos em movimento. Uma forma de acomodação incerta, nunca totalmente conseguida. É sempre a recomeçar. Cuidar e curar, tal é a significação da palavra TERAPIA, mas quem cura quem? Vá saber…
Na busca desde corpo-acordo, a Análise Bioenergética pode ser um ballet onde dois corpos presentes, com uma música de palavras justas, das vozes, dos movimentos, dos gestos, e esta dança vai permitir ao cliente de emergir do caos das sensações, da confusão dos sentimentos, da paralisia, para encontrar de novo uma forma de integridade.
Neste “corpo-acordo” tem uma vibração das inteligências e do coração. Pode ser que esse “corpo-acordo” seja também um corpo-a-corpo, uma forma de luta contra as resistências presentes.
“Aquele que desperta como eu faço, diz Freud (5 psicoanálises), os piores demônios domados da alma humana a fim de combate-los, tem que se sentir pronto para não ser poupado nesta luta”.
Há alguns anos, Lowen foi criticado por negligenciar transferência e contratransferência, processo ridículo. Eu o vi, comigo (e com outros), comprometer-se, recuar, verificar os efeitos de sua postura, eu o vi chorar comigo, modular sua voz segundo as resistências, se mostrar duro, caloroso, reservado. Criando assim um espaço de liberdade para lavrar a terra das lembranças e semear a esperança.

3 – Por uma poética do sonho
A arte suprema da interpretação e da interpretação dos sonhos em particular, constitui a base da psicanálise. A Análise Bioenergética negligenciou os sonhos que, no entanto está no centro do diagrama de Reich – Psique-soma, entre o inconsciente e o corpo, o real e o simbólico.
Interpretar o sonho? Viver o sonho? O que é mais importante?
Eu diria – desfazer o sonho, refazer o sonho. Criar uma forma de respiração psíquica, se ouso esse neologismo. Criar um espaço lúdico e operante entre cliente e terapeuta.
“No fundo do sonho
Alguma coisa abre minha mão
Para que ela encontre a tua fora do sonho
Mas fora do sonho
Alguma coisa abre minha mão
Para que ela encontre a tua no fundo do sonho.”
(Roberto Juarroz, ARGENTINA)

Cada sonho, à sua maneira, é um conto poético. Para capturar os arcanos energéticos dele precisamos ir nós mesmos no sonho e na poesia.

Fazer do corpo um poema
Eu tinha a intenção de elaborar uma poética do corpo a partir dos grandes poetas. Essa pretensão se revelou pouco a pouco irrealista. Com efeito, os poetas falam pouco do corpo. Os temas falam mais de amor, de natureza e de morte. Como explicar essa cisão entre os poetas famosos e a poesia popular senão como uma diferença entre a inflação verbal dos poetas e a realidade dos corpos que trabalham, penam e vivem a poesia no cotidiano?
Quando eu era jovem um texto poético me fascinava, no entanto, porque ele falava do corpo. Li, reli, saboreei, meditei, tanto, que esse texto é provavelmente a origem da minha paixão pelo corpo energético.
“Que lindos pés tens em tuas sandálias, princesa! Os contornos de suas ancas sã como ornamentos, obra das mãos de um artista. Sua pélvis é como uma copa redonda onde o vinho perfumado não falta. Seus seios são como gêmeos de uma gazela. Seu pescoço é como uma torre de marfim. Seus olhos são como lagos, seu nariz como uma torre do Líbano, sua cintura parece uma palmeira e seus seios parecem cachos de uva. Faça de mim uma marca no teu coração, uma marca sobre o seu braço: as grandes águas não poderão apagar o amor nem os rios submergi-lo”.
Isso é um extrato do “Cântico dos Cânticos” que foi comentado e venerado até o êxtase e o gozo com a grande Tereza d’Ávila.
Eis o corpo poético:
Escultura, pintura, perfume, jardim das delícias, retos e curvos, corrente de energia, gozo vital no vento dos desejos, apoteose do amor!
Que pedir mais?

Tentei, no ano passado, uma experiência para aguçar minha curiosidade. Propus às pessoas da formação a escrever um poema com esta consigna para ver que “trem” aconteceria: “Se seu corpo fosse um poema, o que ele diria?” Uma centena de poemas foram elaborados e lidos (um ou outro também explorado energeticamente).
A colheita foi muito rica. O corpo está descrito nas suas correntes, suas redondezas, seus vales, suas zonas escuras, suas luzes, as passagens secretas. Como um labirinto onde de repente surgem uma sensação nova, uma emoção, insólitas e passageiras. O corpo surpreende o sujeito e o leva.
Como um poema pode me surpreender, me encantar. Eis dois poemas extraídos desta amostra brasileira, e se tivermos tempo um poema de Drummond de Andrade.

Corpo do dor

Escondedor esconde a dor
Acusador acusa a dor
Movimenta a dor movimentaador
Respira a dor respirador
Expressa a dor expressador
Assustador assusta com a dor
assusta a dor
luta a dor lutador
senti a dor sentidor
curar a dor curador
goza a dor gozador
gozadora…
ah ! ah ! ah ! ah !

Terezinha Lélis

Se meu corpo fosse um poema

Seria mais delicado
Encantava meu amor

Ostentava de alegria
Mesmo sangrando de dor
Usando o som que gerou

Com movimentos vibrantes
Ousava e mostrava que sou
Reconhecendo meu pranto
Poderoso fortificante
Ou o balsamo curador

Feridas passadas a mostra
O confidencial do rancor
Serenou quando expressou
Suave meu corpo ficou
Elaborando o que contou

Usufruindo o momento
Mesmo sem consentimento

Poderoso e onipotente
O cadeado tirou
E permitiu o quem entrou
Mirando o que registrou
Assim vivenciar o que desabrochou

Solange Martins

As contradições do corpo

Meu corpo não é meu corpo,
A ilusão do outro ser.
Sabe a arte de esconder-me
E é de tal modo sagaz
Que a mim de mim ele oculta?

Mau corpo, não meu agente,
Meu envelope selado
Meu revolver de assustar,
Tornou-se meu carcereiro;
Me sabe mais que me sei

Meu corpo apega a lembrança
Que eu tinha de minha mente
Inocula-me seu patos,
Me ataca, fere e condena
Por crimes não cometidos

Meu corpo inventou a dor
Afim de torna-la interna,
Integrante do meu ID
Ofuscadora da luz;
Que ai tentava espalhar-se.

Quero romper com meu corpo;
Quero enfrenta-lo, acusa-lo;
Por abolir minha essência,
Mas ele sequer me escuta
E vai pelo rumo oposto

Já premido por seu pulso
De inquebrantável rigor;
Não sou mais quem dantes era:
Com voluta dirigida,
Saio a bailar com meu corpo

Carlos Drummond de Andrade

VIVER EM POESIA

Viver em poesia é talvez viver em amor com o mundo, é ressoar com a beleza e a fealdade do mundo, é olhar o outro em silêncio e com ternura, é aprender a morrer sem drama.
“Viver em poesia, fazer com que um objeto cotidiano por mais modesto que seja, a erva, se transforma no equivalente ao oceano”.
(Guillervic – Bretanha)
Para viver em poesia se necessita também de tempo livre, solidão, espaço de liberdade. É necessário não ser nem muito rico nem muito pobre.
É necessário respirar, vibrar e algumas vezes aproveitar a beleza da natureza, a beleza do outro. Os sentidos têm que ser despertos e em alerta.
O poeta é um vigilante.
Assim foram:
Ernesto Lis
Al Lowen
E particularmente Reich
“Escute Zé Ninguém
Sou grato ao destino por ter sido capaz de viver minha vida livre da ganância e da imundice, por ter sido capaz de preservar em toda a sua liberdade e pureza, meus sentimento pela primavera e por suas brisas suaves, pelo gorgolejo de córrego que passa atrás da minha casa e pelo canto dos pássaros no bosque, por não ter tido nenhuma participação nas fofocas de vizinhos perversos, por ter sido feliz no abraço com minha mulher ou meu marido e por ter sentido o fluir da vida no meu corpo. Pois sempre dei atenção à voz suave no meu íntimo que dizia: ‘só uma coisa importa, viver uma vida boa e feliz’. Faça o que seu coração mandar ainda que ele o leve a caminhos que almas tímidas evitariam. Mesmo quando a vida for um tormento, não permita que ela o torne insensível…
E abraço meu menino que me diz: “Pai, o sol desapareceu, para onde ele foi, será que vai voltar logo?” e eu respondo: “Sim, meu filho, o sol voltará logo com seu calor generoso.

Que este sopro, vento poético de Reich e a lembrança de Lowen nos ajudem a pensar, atuar, viver e morrer na dignidade.

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