Centro de Estudos Neo-Reichiano



O dinheiro no processo terapêutico e a sexualidade
Por Jean Marc Guilherme - Trainer Internacional de Análise Bioenergética
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“Eu estou no vermelho, estou numa fase negra, mas minha alma tem o branco da inocência”.

Essas frases, eu as inventei como traços subconscientes deixados em mim por um grande número de pacientes, até que elas tomem forma e iluminem um processo escondido, determinante para o fim do tratamento.

O problema do dinheiro não aparece obrigatoriamente no começo da terapia. O paciente aceita ou não o setting ou enquadre terapêutico: o tempo, a freqüência, os honorários, etc.
Em seguida, pode acontecer que o paciente falte a algumas sessões, solicita pagar depois, deseja espaçar as sessões ou que o terapeuta imponham sua lei: “Você pagará as sessões que você faltar” ou “você deverá tirar férias ao mesmo tempo que eu”. Às vezes, a terapia se interrompe bruscamente ou o paciente desaparece sem dizer nada.

Paralelamente, é normal constatar que as terapias têm tendência a durar, a perdurar. Raramente se fala de “contra-transferência monetária”. E, entretanto, é o cliente que sustenta o terapeuta. É possível que o terapeuta tenha ele mesmo um ponto cego em relação ao dinheiro.

“É aí que análise transferencial da troca de dinheiro é um engano no qual se envolvem o analista e o analisado”. (Le Guen)

As hipóteses que eu gostaria de formular e desenvolver através de alguns casos clínicos poderiam se definir assim:

* O dinheiro cristaliza algumas resistências (anais) tanto no cliente quanto no terapeuta.

* Acabar um processo terapêutico e também regularizar um problema de dinheiro, de dívida, e estabelecer uma nova relação com a realidade.

* Resolver os conflitos em relação ao dinheiro é tornar possível uma sexualidade mais franca.

Em termos energéticos, simbólicos, é como um deslocamento da tensão anal em direção a uma sexualidade mais operante, mais satisfatória.
CLARA
Clara veio consultar devido a tendências depressivas ligadas a sua solidão de mulher divorciada com três filhos, vítima de um marido que a induziu a rituais perversos. Ela estava cheia de vergonha e de culpa. Ela tinha também elementos masoquistas com traços orais e histéricos, com episódios levemente delirantes e tendências suicidas em seu carro. Em resumo, um caso limítrofe aparentemente.

Depois de um ano e meio de análise bioenergética, recebi um dia um telefonema de Clara dizendo: “Estou no hospital, fiz uma tentativa de suicídio e preciso de uma autorização sua para sair do hospital. Você poderia me dar esta autorização? Porque vivo só e não posso pedir a alguém de minha família”. Depois de um momento de reflexão, eu disse não: “não quero assinar essa permissão. Você decidiu se suicidar e entregar seu corpo a psiquiatria. Foi sua escolha... Eu estarei no meu consultório na próxima Quarta feira às três horas como previsto.

Clara veio na quarta feira, com o olhar carregado de frieza e de ódio contra mim e contra minha atitude. Ela me disse “Você me encheu tanto o saco que vai ser a última vez que eu tento me suicidar. Eu tive que chamar meu irmão para sair do hospital”.

Eu perguntei sobre o que a havia levado a esta tentativa de suicídio. Ela se sentia tão culpada em relação a seus filhos. Ela dava mais dinheiro a eles do que podia. Ela estava cada vez mais no vermelho, desesperadamente. Ela ruminava sem parar, mas não era sua culpa, afinal. Em resumo, ela não podia fazer nada. Eu lhe disse “ E sua terapia contribui para afundá-la ainda mais”. “Certamente”. Como sair disso?

Depois dela ter expressado corporalmente sua raiva em relação a mim, tomei o tempo de estudar com mais detalhes sua situação financeira, suas dívidas, e propus um contato de três meses à razão de duas ou três sessões por mês ( em lugar de quatro ou cinco), que ela pagaria mais tarde, quando tivesse saído do vermelho.

Durante os meses seguintes, olhamos de novo as contas. Ela pode, com seu suporte, pedir a seu pai o dinheiro necessário para reembolsar seu carro, o que a afligia. Isto permitiu estabelecer finanças mais equilibradas e limites mais claro em relação às necessidades das crianças. Durante esses três meses, ela levantou a cabeça, desenvolveu uma relação amorosa satisfatória, terminou a terapia e me reembolsou seis meses depois, como combinado.

Dois anos depois, encontrei Clara na estação. Foi difícil reconhecê-la tanto que ela havia ficado mais bonita.

Dinheiro e suicídio, dinheiro e limites, dinheiro e capacidade de pedir ajuda a pessoa indicada, dinheiro e sexualidade. Clara me permitiu ver claramente! e modificar o setting terapêutico, o que minha própria rigidez, o meu apego ao dinheiro não teriam permitido alguns anos antes.

A partir deste caso, eu formulei algumas perguntas:

1 - Foi a relação transferencial ( do pai severo ao pai permissivo) que favoresceu uma tal mudança?

2 - Foi o trabalho sobre os limites que foi determinante?

3 - Foi mais simplesmente o fato de levar em conta a situação financeira de Clara e o plano de salvamento da economia pessoal que foi adotado, envolvendo os filhos e os pais?

O fato é que o fim da dívida parece ter coincidido com o estabelecimento de uma vida sexual satisfatória, acompanhada de menos vergonha.

JOBIG
Jobig me foi indicado por um colega médico.

De fato, ele tinha ido ao hospital universitário para saber se sua impotência sexual era de origem física. Como os resultados foram negativos, ele veio a mim sem entusiasmo particular.

Funcionário de banco, de origem rural bretão, ele havia sido criado com violência, por um pai alcoólatra, na presença de uma mãe impotente que o amava muito. Estrutura rígida, com assimetria importante que se poderia relacionar com seu pavor de ser destruído e... matar. O que começamos a trabalhar energicamente.

Jobig vivia há um ano com uma mulher, mãe de uma filha de oito anos, com quem ele se entendia bem. Sua dificuldade de ereção o inquietava assim como havia acontecido com suas parceiras anteriores.

Além disso, ele tinha dificuldades de se afirmar no ambiente de trabalho.

Na quinta sessão, Jobig me disse que estava gastando seu capital... Eu perguntei a ele diretamente sobre sua situação financeira e descobri que ele sustentava quase completamente sua companheira e a filha dela. A moça não recebia pensão alimentícia, havia mesmo abandonado seu trabalho e vivia muito bem no apartamento do seu amante.

Jobig tomou consciência dolorosamente de sua situação de “trouxa”, o que permitiu explorar corporalmente sua raiva subjacente a esta situação, em relação, bem entendido, com sua história familiar. Ele se deu conta também o quanto ele beneficiava (narcisicamente) de sua situação de doador generoso. A não ser, é claro, ao nível sexual, onde sua impotência/avareza lhe permitia se vingar e mostrar, pelo avesso, sua raiva.

Jobig conversou então com sua companheira sobre o litígio financeiro e decidiu se separar dela.

Sentiu então reviver sua sexualidade.

Depois de ter vivido sozinho alguns meses, restabeleu contato com esta mesma mulher, que ele amava verdadeiramente, em novas bases financeiras. Seus problemas sexuais desapareceram e ele encerrou sua terapia.

Depois disso, me disse que se eu não tivesse aprofundado minhas perguntas sobre sua situação financeira (afinal ele era gerente de banco), eu teria passado longe de muitas fontes de raiva e vergonha. Aqui também a preocupação com dinheiro havia impedido uma descarga sexual e emocional satisfatória.

PER JAKEZ
Depois de dois anos de Análise Bioenergética, Per Jakez se queixava um dia que tinha dificuldade financeira de “chegar ao fim do mês”. Sua mulher também se queixava disso. Entretanto, trabalhava muito e sentia-se pressionada de todos os lados. Em resumo não compreendia isso.

De forma muito direta propus a ele de parar a terapia assim ele recuperaria financeiramente e viveria menos pressões. Manobra do tipo paradoxal, que fiz de forma muito séria. Per Jakez saiu abalado desta sessão e voltou bem decidido a continuar a terapia dando-me de “bandeja”uma série de acting out de tipo financeiro:

- sua cólera quando sua filha recebeu uma advertência do banco porque estava no vermelho;

- ele também estava regularmente com 2000 dólares no vermelho. Mas o banco não dizia nada a ele porque ele tinha bens e inspirava respeito... e pagava os ágios;

- mão fechada consigo mesmo, Per Jakez era mão aberta com os outros. A sua mulher adorava oferecer enormes bouquets de flores e presentes extravagantes. Quando ela era convidada a casa de amigos, levava vinhos de grande qualidade e queijos no valor de 240 dólares. E seus olhos brilhavam de prazer quando me contava suas aventuras, dizendo “é mais forte do que eu”.

Per Jakez decidiu então diminuir suas despesas extravagantes, regularizou sua conta corrente e não ficou mais no vermelho.

Suas relações com sua mulher e com os filhos mudaram de qualidade. Encerramos assim três anos de Análise Bioenergética.

O que aqui criou a possibilidade de mudança, me parece ter sido a manobra paradoxal que permitiu sacudir as defesas rígidas e narcisistas, deixar emergir o litígio financeiro, diminuir a angústia e criar laços sobre novas bases. É evidente que uma tal manobra não teria tido talvez resultado com outra pessoa. A transferência aqui era muito forte, tanto quanto a contra-transferência.
Clara, Jobig, Per Jakez saíram do buraco (isto é, da angústia ) quando saíram do vermelho. Eles se surpreenderam a sonhar outras coisas e a amar de outra forma. Ao mesmo tempo que saiam da vergonha, podiam levantar a cabeça. A postura da pélvis me pareceu se modificar no sentido de colocar-se mais para frente e de ficar menos rígida. Se o objetivo da Análise Bioenergética é aumentar a capacidade de integrar mais excitação e emoção em sua vida e suas ações (como diz Lowen), uma questão equilibrada do dinheiro contribui necessariamente para isso.

Poderíamos retomar aqui o esquema clássico de Lowen ilustrando a atividade pulsatória da personalidade sadia e mostrar a angústia em relação ao dinheiro como uma zona cega que reduz, freia, inibe tanto a expansão dos afetos em direção ao ambiente quanto a capacidade de sentir a vida de sonho, a vida interior e particularmente a sexualidade.

Dinâmica Normal

Problemas com Dinheiro

Curiosamente, e a posteriori, ficam ilustradas as frases iniciais desta palestra.

- “Estou no vermelho”: a parte superficial, objetiva, social da relação com o ambiente.

- “Estou numa fase negra”: a camada de angústia

- “Minha alma tem branco de inocência”: o centro, a negação (como mecanismo de defesa)
Foi o trabalho energético que estas mudanças, ou foi o processo de liberação em relação a angústia do vermelho, do preto, do branco? Provavelmente os dois.

Tudo se passa como se o dinheiro ( a maneira de ganhar, de gerir, de gastar) monopolizasse enormente as defesas caracterais, tanto as do cliente quanto as do analista.

Assim Clara administra seu orçamento de modo “lunático”, maníaco-depressivo, versátil, atitude típica dos estados limites. Com Per Jakez, e secundariamente com Jobig, defrontamo-nos com defesas narcisistas. Poderíamos dizer que estes problemas de dinheiro, freqüentemente escondidos ou ignorados no curso do processo analítico, revelam as falhas secretas do narcisismo, empobrecendo o potencial genital: a capacidade de amar, a capacidade sexual ou ambos.
Num artigo notável sobre “o endividamento da pessoa em tratamento”, M. Cardine escreve “Esses tipos de pacientes gravemente endividados se apresentam essencialmente como doentes do narcisismo, pois seu egocentrismo cego e desvairado, sua negação total e constante do outro, seu aspecto onipotente, seu lado imaturo, pueril, desconcertante, desembocam sempre em duas grandes constantes de sua personalidade.

- livrar sua cara a qualquer custo: comportamento de desafio, de altivez, ele tem que manter as aparências a qualquer custo.

- manter domínio: a tal ponto tem medo de não mantê-lo, de serem invadidos por sua vida de fantasia e pulsional.

“Uma boa maneira de tratá-los consistirá sempre que for possível, em entrar neste sistema de controle e fazê-los tomar as medidas de proteção e de tratamento necessárias, dando a eles a impressão de que são eles os autores e que eles tem o seu domínio”.

Foi assim, aliás que Clara negociou com seu pai o reembolso de seu carro, que Per Jakez entrou em contato com seu banco para lhe dar novas ordens (impossibilitando o vermelho) e que Jobig decidiu não se mais o “trouxa de serviço”e de clarear as finanças com sua companheira.



Estas reflexões sobre o tema de dinheiro e da sexualidade no processo terapêutico, vão ao encontro de um comentário de Dr. Waelhens. “Se o dinheiro...tem imaginariamente o sentido de um prestígio ou de uma potência ilimitada, ele deve tocar profundamente o narcisismo do sujeito. Portanto, não é estranho que certos pacientes tenham às vezes mais embaraço de falar de sua maneira de lidar com o dinheiro, que de expor suas dificuldades psicossexuais”. Em particular, é freqüente que para eles seja muito difícil se situar financeiramente, com precisão. Uma tal interrogação só pode desencadear sua angústia”.

Eu acrescentaria que uma tal interrogação também pode contribuir para relaxar sua angústia e as tensões musculares que a acompanham e a desenvolvem numa nova vitalidade sexual.
A título de conclusão, citaria para aqueles que conhecem o simbolismo corporal, um provérbio de Bretanha.

“Melhor uma casinha
cheia de mantimentos
que uma casa grande
cheia de vento”.

BIBLIOGRAFIA
Cardine M.: in revue Actualités Psychiatriques, nº 2,1983, p. 89 - 90

De Waelhens A.: “L’argent dans la relation médecin malade” in Actes du 13 ème Colloque international de psychologie médicale, 1971, p. 310.

Le Guen C.: cité par Llana Reiss Schimmel in La psychanalyse et l’argent, Ed. Odile Jacob, 1983, p. 139.

Lowen A.: “Some notes about cancer”. In the Journal of The International Institute for Bioenergetic analysis(vol.3,nº1,1987)
Sauvé LF.: Proverbes et dictons de Basse Bretagne, Slatkine Reprints, 1986
Jean Marc Guillerme

Sèné - Bretanha - França

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