Centro de Estudos Neo-Reichiano



O uso do Self pelo Terapeuta
Por Len Carlino - Phd. Trainer Internacional de Análise Bioenergética
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Uma das características que me atraíram para a Bioenergética foi a habilidade do Dr. Alexander Lowen em expressar-se, a si mesmo, no processo terapêutico, assim como um pintor usa a tela como meio para sua criatividade. Em "Dinâmica Física da Estrutura do Caráter" (Physical Dynamics of Character Struture - 1958), Lowen fala sobre a distinção entre a técnica de associação passiva, que ele se refere como análise de cima, com uma técnica mais ativa, que ele chama de análise por baixo.

Ele aponta as prévias contribuições de Ferenzi a este último tipo de análise. Mas a verdadeira contribuição veio de Reich, quando este começou a tratar as estruturas de caráter dos pacientes. Em Reich, na "Análise do Caráter" (Character Analysis - 1949), nós vemos claramente quão ativo Reich assume o papel que o terapeuta deve ser. É claro que quando ele começou a usar o trabalho corporal, não há a menor dúvida, sua terapia, mais ativa, era radicalmente diferente da abordagem associativa passiva.



Gostaria de observar até onde a abordagem ativa exige o uso do self pelo terapeuta. Gostaria, também, de mostrar como as técnicas psicanalíticas atuais encorajam o terapeuta a tornar-se mais ativo e, por conta disso, tornam-se mais parecidas com a abordagem da Bioenergética.
Originalmente, o pensamento psicanalítico acreditava que os terapeutas não deveriam envolver-se pessoalmente na interação analítica. Isto impedia que a contra-transferência contaminasse o processo terapêutico, sendo a contra-transferência as respostas inconscientes do terapeuta ao paciente. Por conta disso, a psicanálise clássica tem um dilema: diz que nenhum analista foi inteiramente analisado. Isto é o mesmo que dizer que ninguém chegará a um ponto onde todo seu material inconsciente tornar-se-á consciente. Muito mais que isso, esse processo é de uma vida inteira, e a consciência existe ao lado de um processo contínuo entre relativamente inconsciente e consciente. Sendo este o caso, toda a interpretação analítica, não importando quão passiva seja, tem elementos do material inconsciente do analista. Por conta disso, as intervenções do mesmo são sempre, num certo sentido, contaminadas pelo seu inconsciente e, portanto, isto se constitui numa contaminação de contra-transferência.

O pensamento psicanalítico também tentou fazer uma diferenciação entre a relação verdadeira e a relação com contra-transferência. A relação real, verdadeira, consiste nas inter-relações entre o terapeuta, destituídas de projeções inconscientes e baseadas em percepções precisas. Isto foi contrastado com a relação com transferência, que inclui uma repetição não-seletiva e indiscriminada do passado, a qual ignora ou distorce a realidade. De qualquer maneira, como ninguém está sem nenhuma contaminação do inconsciente, não há uma distinção definitiva entre a relação real e a de transferência/contra-transferência. A realidade é vista, agora, como um conceito relativo, que só faz sentido no ambiente terapêutico se houver um acordo sobre isso entre o paciente e o terapeuta.


Como não podemos ter uma distinção clara entre o material consciente e inconsciente do terapeuta, e como a distinção entre a relação real e a transferência/contra-transferência é relativa, o que o terapeuta pode fazer? A resposta do pensamento psicanalítico atual é que o terapeuta use ativamente a contra-transferência. Em essência, os terapeutas são encorajados a confiar nas emoções que os pacientes estimulam neles. A explicação é a seguinte: o paciente estimula o seu afeto não permitido em nós, com a esperança de que possamos tolerá-lo e responder a ele.

O paciente aprende a conter e integrar o seu afeto, enquanto o terapeuta o emite de volta para ele/ela. A volta não pode ser somente numa instância intelectual, neutra, porque o que é essencialmente uma interação afetiva e uma experiência de reaprendizado deve envolver uma resposta emocional do terapeuta. Em outras palavras, a "realidade emocional" entre o paciente e o terapeuta é a "única realidade". Esta explicação confirma que os pacientes vêm a nós porque acreditam que temos conhecimento suficiente, habilidade e autoconfiança para guiá-los através das próprias autodescobertas deles. Eles se apóiam em nós para tomarem a melhor decisão possível, e para serem protegidos de dores desnecessárias, enquanto estão fazendo suas caminhadas. Eles nos dão o poder, não de presumir o que é certo para eles, mas de ouvir, convidar à cooperação deles e, então, tomar a melhor decisão possível sobre o que é mais terapêutico. É com este conhecimento que a psicanálise de hoje em dia molda o uso ativo da contra-transferência.
Quando os psicanalistas usam a contra-transferência ativamente, chamam a isto de "quinhão de contra-transferência". Little (1951) foi a primeira a usar tal conhecimento. Ela diz que a única maneira para evitar ser sobrepujado pela experiência de se emaranhar no problema do paciente é admitir a contra-transferência ao paciente, ou tornar-se emocionalmente ativo na relação.

As técnicas Bioenergéticas oferecem uma excelente modalidade para o terapeuta tornar-se emocionalmente ativo como Little sugeriu.


Maroda (1991) enfatiza a autenticidade das realidades da relação, muito mais do que a própria realidade do paciente. Sob a ótica da relação, tem-se um grande efeito nivelador no que realmente importa, que é a verdade, seja ela qual for. O amor não é mais importante do que o ódio; a integridade não é mais importante do que a falta de caráter. O atributo mais importante do terapeuta é um forte compromisso com a verdade, para manter a integridade da relação no processo, além de permanecer atento sobre como a transferência molda a contra-transferência, e vice-versa. Nós, em Bioenergética, temos ferramentas adicionais para mantermo-nos verdadeiros: uma, é a verdade do corpo como é vista no paciente; outra, é a verdade como é percebida no corpo do próprio terapeuta.


Maroda diz que parte da motivação original que se segue à escolha racional do terapeuta é a necessidade de curar e de ser curado. Recusar-se a reconhecer isto, assim como outros aspectos da interação da transferência/contra-transferência, pode resultar num tratamento desnecessário, limitado, estragado ou destrutivo. Se uma contra-transferência muito forte não for reconhecida, e trabalhada diretamente no tratamento, ela, inevitavelmente, atuará de alguma outra forma. A forma pode ser em manter uma distância não-terapêutica do paciente, ou a recusa em transfundir-se com a falta de medo do paciente de ficar fora de controle. Pode, ainda, tomar a forma de obter alguma gratificação do paciente, tanto durante o tratamento como após o término deste.
Muito mais do que o termo psicanalítico de "quinhão da contra-transferência", prefiro o termo "o uso do self pelo terapeuta". Este, acredito, é mais consistente com a tradição Bioenergética e com a importância da auto-expressão de uma pessoa saudável e atuante. Ao mesmo tempo, deixa o termo contra-transferência para situações onde o inconsciente é o fator predominante da interação terapêutica.

Gostaria de mencionar algumas orientações e precauções a serem consideradas pelo terapeuta no seu uso do self na terapia (Maroda, 1991).


A primeira é para que o terapeuta esteja bem atento às suas forças e às suas fraquezas. Para nós, na Bioenergética, isso necessita de um forte entendimento dos nossos próprios caráteres e de suas limitações quando em interação com outras estruturas de caráter.

A segunda é para que tais intervenções sejam, primordialmente, para a cura do paciente, não devendo nunca serem tomadas somente com o propósito de cura do self do próprio terapeuta.

A terceira orientação é para que o uso do self seja visto através do contínuo da relação terapêutica. O paciente passa de um nível ao outro quando ele/ela torna-se capaz de lidar com um nível mais profundo de sentimentos e adquire um sentido mais forte de si mesmo. Ou seja, quando o paciente adquire uma capacidade mais profunda para relações objetivas. Esta é uma orientação muito útil para o manuseio com relações duplas. Alguns pacientes irão mais fundo através deste contínuo e, portanto, serão capazes de sustentar relações duplas em diferentes níveis. Isto é especialmente aplicável para os terapeutas cujos pacientes são também seus supervisionados (trainees).

Quarta, o terapeuta necessita estar bem centrado (grounded) na sua própria consciência corporal. Ele precisa ser capaz de conter uma carga afetiva muito forte, assim como ter a habilidade de expressar essa carga afetiva muito forte, quando ambas forem necessárias. Quanto mais centrado o analista fôr, maior será o uso terapêutico da intervenção do self.

Quinta, o objetivo do self é necessariamente para o terapeuta sentir-se diferente do paciente com relação aos seus significantes. É para o terapeuta lidar com o seu sentimento mais construtivamente do que fez o paciente com relação aos seus significantes. Isso capacita o paciente a ficar atento a seus sentimentos e tornar-se responsável por eles.

Sexta, não há uma maneira correta de se usar o self em terapia, mas se o terapeuta é honesto, não-preconceituoso e trabalhar do fundo do coração, esta será a maneira mais efetiva.

Finalmente, uma palavra quanto aos limites. Os terapeutas precisam ter os limites bem demarcados, especialmente quando se tratar de pacientes que não os têm. Os terapeutas precisam, também, ter limites que sejam permeáveis, para permitir experiências razoavelmente controladas de regressão. O terapeuta necessita ser capaz de dividir a experiência de estados primitivos de afeto do paciente, muito mais do que apenas observá-los. Dividir significa que o terapeuta deve estar relativamente não-defensivo e aberto para experimentar sentimentos potencialmente desconfortáveis, tais como: confusão, ansiedade, loucura, desespero, raiva e excitação sexual.


O uso do self não deverá ser utilizado para abandonar os limites na relação terapêutica. O propósito do uso do self é oferecer alternativas para facilitar a integridade da situação terapêutica. Por causa disso, desde que a necessidade de expressar-se em uma situação interpessoal intensa é tão básica e inevitável, a inibição afetiva do terapeuta pode realmente aparecer na sua atuação como terapeuta. Portanto, é necessário que haja um equilíbrio entre os limites do terapeuta e a expressão afetiva do seu uso do self.


Concluindo, o uso do self, se integrado com estas diretivas, contribui para o comportamento ético do terapeuta. A melhor barreira contra o abuso dos pacientes é o grau para o qual o terapeuta, como instrumento, desenvolveu o seu processo terapêutico.


Quanto mais centrado (grounded) o terapeuta fôr em sua auto-percepção, maior será a sua habilidade para o uso construtivo do self numa relação terapêutica.


Finalmente, o comportamento do terapeuta não seria ditado por razões éticas vindas de fora do self. Muito mais do que isso, o comportamento seria dirigido por um senso de princípios internos e energeticamente direcionados.

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