Centro de Estudos Neo-Reichiano



A BIOENERGÉTICA: UMA ARTE DE VIVER
Por Jean Marc Guilherme
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Boas vindas a vocês que aprecio tanto!

Esta apresentação queria ser uma meditação sobre a vida, elaborada a partir de minha própria arte de viver e das minhas leituras e meditações.

“não tenho o poder de ser acreditado e não o desejo, me sentindo demais mal instruído para instruir alguém.” (Montaigne)

Por outras palavras, esta apresentação não tem a pretensão da verdade, é mais uma partilha prazerosa e íntima com vocês.

 

A BIOENERGÉTICA

 

A vida não é sempre simples. Encontramos conflitos, angústias de dinheiro, separações, problemas de saúde, perdas, momentos de desespero. Mas a bioenergética pode nos ajudar a viver e a viver bem.

A bioenergética elaborada por Alexander Lowen poderia se definir como um método de terapia que tem o corpo e sua energia em consideração. Ela tem por objetivos:

  • Reduzir as tensões musculares crônicas com a respiração, o movimento, a voz;
  • Tornar a pessoa mais tônica, enraizada, vibrante;
  • Desenvolver as sensações e a expressão das emoções;
  • Ter uma vida mais prazerosa.

Isso significa que a bioenergética se orienta naturalmente em direção a um modo de vida respeitoso do outro e do ambiente: despertar e educar os sentidos, ser sensível a beleza e a poesia, cuidar do planeta, lutar pela paz e justiça, fazer um mundo melhor.

Vou tentar mostrar a partir de umas ideias simples, como a bioenergética se pode viver na vida cotidiana, e transformar-se numa arte de viver prazerosa.

 

RESPIRAR

 

Lowen escreve “a respiração é a pulsação principal (expansão/contração) do corpo inteiro e a base do prazer e da dor.”

Respirar é se libertar das pressões do ambiente, explorar o mundo dos sentidos.

“Me deixa respirar” poderia ser um slogan interessante.

Tenho o direito biológico de respirar livremente.

 

CUIDAR

 

A cordialidade, a gentileza, a atenção para com o outro são virtudes que ajudam a construir uma sociedade suportável. Isso parece como um patrimônio brasileiro, uma coisa muito positiva, quase natural. Ao mesmo tempo, notei muitas vezes um excesso de cuidado:

  • Pais que abusam de uma filha que é condenada a sacrificar a sua vida no serviço da família, que não pode sair de casa para organizar a sua própria vida;
  • Notei também filhos que exploram financeiramente os pais até uma idade avançada.

Outro exemplo de abuso parental:

  • Uma vez uma moça foi abandonada por seu pai na idade de 15 anos, sem informação, sem ajuda, ela sobreviveu. Velho, o pai, doente contatou sua filha para acompanhar sua morte; apesar de sua amargura, ela cuidou, ela amava o seu pai para sempre... mas, que tristeza!

A saúde do corpo vivo exige de poder por limites, de tomar distância para respirar, ter um projeto de vida independente, autônomo.

“Separações necessárias,” dizia Emílio Rodrigué.

 

Como cuidar?

 

Um dia durante uma visita à casa de um colega, observei a relação entre o avô e o seu neto de 8 anos. Eles se olhavam de vez em quando, se falavam espontaneamente, se moviam naturalmente no espaço, se abraçavam um momento com ternura. Em resumo: uma relação de cuidado mútuo, livre, elegante, nutritiva. Esta cena me tocou particularmente porque era a lembrança fiel de momentos graciosos com meu próprio avô na idade de 8 anos.

Está ali um exemplo de enraizamento que favorece segurança, amor e liberdade.

Como um modelo de “relação justa” que poderia inspirar, modelar a relação terapêutica cuidadora.

Definiria a relação terapêutica como uma mistura de proximidade e de distância (uma acomodação), uma mistura de amabilidade e de lucidez, uma mistura de leveza e de desprendimento. Para nunca abusar de seu poder ou submeter o cliente, mas dar lhe capacidade de se libertar dos seus demônios como dos poderes opressores.

Liberdade e confiança.

 

MOVER/COMOVER

 

A análise bioenergética de Lowen é uma forma de terapia que implica:

  • O movimento, a respiração, a voz;
  • A mobilização da energia das pernas (enraizamento) e da pélvis (sexualidade) para permitir, ajudar, desenvolver a onda energética em todo o corpo, produzir uma sensação de unidade, de integração e de prazer.

O problema é que agora a maioria das pessoas está plantada atrás de uma mesa, um computador, um caixa de supermercado, um volante, etc., mesmo os terapeutas estão sentados, imóveis, funcionando com a cabeça. Sem respirar, sem vibrar.

Esta postura estática provoca bulimia, peso, enfermidade cardiovascular, por causa da falta de circulação de sangue, apatia sexual, adição à internet, etc.

Se você quer estar com saúde, você tem que mover seu corpo regularmente, com exercícios bioenergéticos, prática de desporto escolhido, fazer amor mais amiúde, pular, correr, etc.

Lowen recomendava: andar, nadar, dançar.

Eu pratico a marcha na natureza regularmente.

“Temos de caminhar como um camelo, o único animal que rumina andando” (Henry Thoreau).

Somos camelos, talvez búfalos!

“Mover” é próximo de comover. Movimento implica sensação e emoção. Emoção significa movimento em-. Comover-se significa mover com, direção a.

Ficar, viver no movimento, convida naturalmente a encontrar o outro, a partilhar, a se deixar tocar, a lutar junto, a rir, a contar e cantar.

Mover-se é se deslocar, se desestabilizar, ir adiante, se aventurar e comover-se. 

Mover-se é voar para céus novos, culturas diferentes, mirar, admirar e comover-se.

Mover-se é se inclinar para cuidar, beijar, simpatizar. É também cair para dormir, amar, descansar, se abandonar nos braços e comover-se.

Todos os movimentos vão se elaborar, se transformar na poesia dos sonhos.

 

“O mundo é grande e cabe

Nesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabe

Na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe

No breve espaço de beijar.”

Carlos Drummond de Andrade

 

AMAR

 

Amor é necessário para viver bem, mas o amor é frágil, instável, fugitivo. Pode também ser permanente, quase eterno.

Muitas pessoas se queixam da solidão, de não encontrar o amor no caminho da vida.

Noto amiúde nestas pessoas, demasiado controle das emoções, pouca espontaneidade, os sentidos pouco despertos, um medo grande de cair, uma postura estática ou estancada.

A bioenergética convida a ousar, ir de frente, expressar pedidos, abraçar, ficar no movimento.

“Uma forma de agressividade adequada”(Heiner Steckel), positiva.

O amor precisa também de sair da rotina, ser alimentado com propostas insólitas, fantasias. O fogo que tem que reavivar com o sopro dos  desejos.

 

“A gente sempre se amando

Nem vê o tempo passar.

O amor vai nos ensinando

Que é sempre o tempo de amar.

 

Amar nossa falta mesma de amor, e em nossa seca

Amar a água implícita e o beijo tácito e a sede infinita.”

Carlos Drummond de Andrade

 

COM VIVER

 

Viver com o outro, os outros implica atenção, presença ativa, olhar, escuta, toque.

Porém a vida moderna é cheia de parasitas capazes de perturbar a comunicação direta: telefones, computadores, câmeras, etc.

A caricatura deste fenômeno é ver um casal no restaurante, cada um falando ao telefone ou mandando mensagem ou ver um neném sozinho a frente de um tablet.

Perigo que a superestimulação das imagens, a perda de contato com o mundo real, o ambiente, a natureza, o corpo do outro, geralmente: os sentidos. A dependência eletrônica pode provocar insônia, empobrecimento das sensações, emoções, perturbações do comportamento. Limitar o uso destas máquinas parece cada vez mais necessário para a saúde.

Por exemplo, estimo que a utilização destes instrumentos deveria ser proibida nos momentos da comida e na cama: para favorecer, desenvolver o contato afetivo, o olhar benevolente, a emoção viva.

 

EDUCAR, ESTIMULAR OS SENTIDOS

 

O modo de viver atual reduz seriamente nossas percepções sensoriais.

Assim o olhar é muito solicitado com as mensagens eletrônicas, a publicidade, os objetos de consumo, pouco com os movimentos dos corpos e dos planetas.

Com a poluição do ar, os cosméticos, os cheiros químicos, o nariz perde uma parte da sensibilidade.

Com a comida industrial, as bebidas com gás, corantes e outras drogas, o palato perde o sabor dos “alimentos terrestres.”

Com o barulho constante na cidade, a música forte, o som ambiente das lojas, o ouvido não aguenta o silêncio, não sabe escutar o canto dos passarinhos, o tom de voz de seus iguais.

A bioenergética deveria nos convidar a prestar atenção, respeitar e estimular nossos sentidos. Por exemplo: pousar o olhar sem falar sobre o rosto dos nossos amores, evitar por uns dias os cosméticos (amiúde nocivos) para apreciar os cheiros naturais, utilizar legumes e frutos sem sal ou açúcar adicionados, escutar o silêncio, tocar com atenção, delicadeza ou firmeza.

 

MORRER

 

“filosofar é aprender a morrer.” Montaigne ensina que a finitude é um componente irredutível da vida. Filosofar é compreender e aceitar a morte, não mais nela pensar, e gozar de si mesmo como do momento presente.

De igual forma, Lowen diria “cair é aprender a morrer” renunciar (to give up).

Temos que nascer, viver, envelhecer e morrer porque somos incluídos no rodízio do mundo físico, da vida.

Simplesmente. Sem dramatização. Numa forma de serenidade.

Aprendi isto com Lowen, alguns amigos, meus pais e meus clientes desaparecidos... e não sou particularmente inquieto por minha própria saída final!

Faço parte duma associação pelo “direito de morrer com dignidade.”

Se necessário, desejo morrer de uma maneira ativa, voluntária. Ajudei minha mãe a morrer como ela ajudou sua mãe a morrer, tendo posto fim ao martírio, por causa de amor. Eu sei que isso é um tabu mas eu acho que temos que falar disso e tomar atitudes ativas e respeitosas quando isso é possível.

Respeitar a morte é respeitar a vida,

“guardar estas coisas no coração” (Evangelho).

 

“Por que nascemos para amar, se vamos morrer?

Por que morrer, se amamos?

Por que falta sentido

Ao sentido de viver, amar, morrer?”

Carlos Drummond de Andrade

 

SONHAR

 

Sonhar e viver seus sonhos poderiam ser um objetivo da vida.

            O sonho é como respiração do corpo. Por exemplo, um pesadelo vem do medo do corpo. O sonhador provavelmente acumula uns medos da sua história que se cristalizam num sonho para fazer contato com suas emoções rejeitadas. Os sonhos eróticos falam da excitação sexual com os nossos amores atuais ou perdidos numa suave mistura enigmática: o sonho distila amor!

Ano passado, caminhei na Escócia. Um dia depois de uma caminhada de 4horas estava com fome e entrei num supermercado para comprar uma coisa para comer. Mas tudo parecia sem sabor, industrial, químico. Não comprei nada, estava esperando a hora de jantar num bom restaurante.

À noite seguinte, tive um sonho de abundância: amigos tinham invadido a minha casa, na mesa tinha iguarias raras, queijos variados e preciosos, doces originais.

A frustração da véspera se transforma numa felicidade gustativa, imaginativa, numa festa dos sentidos. Assim pela manhã o corpo do sonhador está bem disposto para começar o dia!

Se você prestar atenção aos seus sonhos, você não vai ganhar mais dinheiro, mas os seus sonhos vão ser mais frequentes, mais variados, mais ricos, mais divertidos. Esta vitalidade interna é a única riqueza que vale a pena; ela provoca uma forma de bem estar e convida a perceber a poesia da existência.

“eu gosto dos meus sonhos, digo eu, em plena manhã de inverno.

A um homem prático, e ele, desdenhoso, responde:

Não sou do Ideal o escravo.

Eu gosto do Real, como homem de bom senso

Pobre louco, mistura o ser e a aparência.

Eu gosto do Real quando gosto de meus sonhos.”

Fernando Pessoa

 

PODER OU POTÊNCIA?

 

Muitas pessoas buscam o poder: poder de controle sobre os outros. Poder do dinheiro; poder de dirigir um carro grande; poder de dominar. Em resumo, poder narciso marcado segundo Lowen, com uma inflação da parte superior do corpo, a capacidade de seduzir/dominar/abusar, a fragilidade do enraizamento na realidade.

“o poder corrompe... o poder é antagônico com o prazer,” escreve Lowen.

Mas ao mesmo tempo precisamos ter um poder sobre nossa vida, não flutuar sempre entre o sim e o não, decidir, afirmar-se...

Dirigir uma instituição, uma equipe, uma empresa... é exercer um poder.

Tem um verbo português que não existe em francês: LIDERAR que implica um poder ponderado, feito de responsabilidade mútua e de partilha. Gosto disto.

Um dia, o meu amigo Ernesto Liss me receitou “Jean Marc, nunca toma o poder: você perderia sua alma.”

Que pensar?

Ao contrário, a potência é a capacidade de realizar coisas limitadas com prazer e eficácia. No corpo de uma pessoa potente se nota uma boa repartição da energia, uma carga suficiente e uma capacidade de descarregar sem agredir os outros e com um respeito do contexto.

“Fluir e fruir” poderia ser a arte de viver da pessoa potente.

Talvez tenhamos que navegar entre poder e potência na onda dos eventos, dos encontros e desencontros sem abuso, sem vaidade.

Flutuar sem mergulhar na depreciação de si próprio, voar sem desprezo pelos outros!

 

DESAFIO ATUAL

 

Como respirar quando o ar é poluído com a fumaça da cana, as partículas de gasolina e de agrotóxicos?

Como mover seu corpo no barulho constante da cidade?

Como comer bem quando os produtos industriais de primeira necessidade estão contaminados?

O ambiente provoca assim uma quantidade de doenças...

Que fazer?

Não tenho solução para este grave problema que vai afetar mais e mais as crianças e vossos netos.

Mas acho que:

  • Não podemos ser passivos. A primeira coisa é ir buscar informação antes de encontrar um problema. Prevenir e prever.
  • Participar na luta ecológica para proteger o planeta: contra a destruição da floresta, a poluição das águas, a droga dos organismos geneticamente modificados (OGM).
  • Consumir menos, comer menos, mas comer bem.
  • Poupar eletricidade, água, gasolina; construir uma pequena horta para cultivar legumes sãos.
  • De vez em quando: passar tempo nos lugares de silêncio e de beleza para renovar sua alma e aceder apesar de tudo, à poesia do mundo.

“no fundo, o que me recuso a acreditar é que estejamos condenados.

Apesar dos prados envenenados, da lenta agonia dos rios e do mar, da atmosfera cada vez mais carregada das cidades. Constato que a poesia seja-continue a ser

 

Um lugar

Onde ainda se pode

Respirar.”

Jorge de Sousa Braga

 

PARA TERMINAR

 

Para elaborar esta palestra reli “Os ensaios” de Montaigne e o livro de Lowen “O prazer.” Aprendi também a praticar a bioenergética, como arte de viver, caminhando, navegando com Lowen, escutando com ele o deslizar do barco a vela, o vento; evitando as bisbilhotices sobre os outros, preparando a comida juntos, bebendo um bom vinho ou um Metaxa, gozando do momento que passa.

Seres livres secretamente reunidos no prazer, pela vida e pela morte.

Caminhando no fim do ano passado, sonhei com vocês e me dizia:

“viver na leveza, respirar, vibrar comigo mesmo e com os outros,

Fruir e fluir” é o que aprendi com Lowen, e com a vida.

Tentei transmitir a vocês esta maneira de conceber a vida.

A vocês de transmitir...

JMG

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